sábado, 27 de dezembro de 2008
Fim de ano e saudade
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Perdoando Deus - Clarice Lispector
in "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998
domingo, 7 de dezembro de 2008
Quebra-cabeça
A peça que sobra
A língua estrangeira
Mal compreendida
Eu sou teu mistério
Sou teu sonho estranho
E mesmo que te chame amor
Não sou teu território
Caminho impreciso
Só te quero bem
Minha verdade é metade
Que pulsa e que chama
Enquanto um pedaço aguarda
E guarda faminto
Um sonho bonito
domingo, 30 de novembro de 2008
Siderado
- Hã? O que você disse?
- Perguntei se como se sente diante da possibilidade de ela não gostar mais de você.
Essa pergunta foi o suficiente para que ele se desse conta de que ainda não havia se questionado a esse respeito, pois, para si, a única possibilidade existente era a de estar com ela por toda a eternidade. Os fatos, contudo, não apontavam nessa direção e, por uma necessidade muito parecida com a que os cristãos têm de saber se habitarão o paraíso quando de sua morte, ele precisava manter a esperança de que um dia pudesse ter sua presença mais uma vez. E a resposta que tinha para dar ao seu amigo era o silêncio, pois não sabia como dizer: “eu não sei”. Isto seria como que admitir a iminência do fim e que nada restaria para si a não ser lidar com a dor da perda do grande amor de sua vida. Seus olhos ficaram parados, como que olhando fixamente para algo que apenas ele via – a cena de uma adeus que teria que acontecer, mais cedo, ou mais tarde. Seu semblante não poderia ser descrito como tristeza, pois, na verdade, não encontrava correspondência nenhuma em palavras e poderia ser resumido à seguinte sensação: um formigamento no estômago, como se estivesse devorando a si mesmo e, assim, levando junto aquela saudade absurda, pois os dias se passavam e nada mais importava para si, a não ser o incontrolável desejo de estar ao lado dela e se sentir feliz. Feliz. Que adjetivo estranho, este, em sua circunstância atual. Chegou, então, a se perguntar qual a última vez em que se considerou feliz. Não conseguiu encontrar registros recentes dessa época e, então, um nó na garganta represou-lhe uma completa inundação de lágrimas que estava por vir. “A vida é um processo miserável” – pensou no mesmo instante em que se viu tomado por essas sensações. Na verdade, agia assim por tentar parecer um intelectual e falar do processo “vida”, mas sabia que falava de si, falava da miserabilidade que vinha sendo a sua vida. E continuou suas divagações sobre a (sua) vida: “Vive-se para simplesmente se manter vivo e o que vier além disso é luxo, frescura”. Seu olhar permanecia siderado, tomado por uma idéia que, mesmo diante dos fatos, até então, não havia concebido e, o pior, pela constatação de que apenas se mantinha vivo e nada mais. Sentiu, então, seu estômago se remoendo, como que digerindo aqueles dados que acabara de compreender a respeito de si. E, quanto mais se remoía o estômago, mais sentia a solidão. Parecia que passava a si mesmo num liquidificador, num sofrimento que não conseguia produzir palavras, apenas dor e confusão. Enquanto isso, seu amigo o olhava, sem compreender muito bem o que se passava, sabendo apenas o essencial: ele não estava ali. Até que, depois de alguns minutos, que mais pareceram horas, ele respondeu:
- Não sinto. Fico dormente. É como se me faltasse por inteiro e o que sobra é uma carcaça que não é mais capaz de amar.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
Luminosa escuridão
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Conjugação Da Ausente (Vinicius de Moraes)
Muitas cãs e um princípio de abdômen
(Sem falar na Segunda Grande Guerra, na descoberta da penicilina e na desagregação do átomo)
Foram precisos dois filhos e sete casas
(Em lugares como São Paulo, Londres, Cascais, lpanema e Hollywood)
Foram precisos três livros de poesia e uma operação de apendicite
Algumas prevaricações e um exequatur
Fora preciso a aquisição de uma consciência política
E de incontáveis garrafas; fora preciso um desastre de avião
Foram precisas separações, tantas separações
Uma separação...
Tua graça caminha pela casa
Moves-te blindada em abstrações, como um T. Trazes
A cabeça enterrada nos ombros qual escura
Rosa sem haste.
És tão profundamente
Que irrelevas as coisas, mesmo do pensamento.
A cadeira é cadeira e o quadro é quadro
Porque te participam.
Fora, o jardim
Modesto como tu, murcha em antúrios
A tua ausência.
As folhas te outonam, a grama te
Quer.
És vegetal, amiga...
Amiga! direi baixo o teu nome
Não ao rádio ou ao espelho, mas à porta
Que te emoldura, fatigada, e ao
Corredor que pára
Para te andar, adunca, inutilmente
Rápida.
Vazia a casa
Raios, no entanto, desse olhar sobejo
Oblíquos cristalizam tua ausência.
Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Espelho e silêncio
Silêncio. Além de alguns objetos antigos, nada mais sobrava naquela casa a não ser um denso silêncio que se apossava de todo o ambiente. Preencher-se de vazio era o maior desafio que agora encontrava e, mesmo que não quisesse, tinha que ouvir todo o absurdo que a ausência de som tinha para lhe comunicar. Como se houvesse sido raptado, via-se obrigado a ouvir suas vísceras se espremerem clamando por algum barulho que pudesse aquietar aquele desassossegado lugar. Não adiantava. Olhou para a poeira e, reluzente, viu a sua frente um espelho, objeto que, mesmo trincado e desgastado pelo tempo, chamou-lhe atenção. Havia muito, não se olhava no espelho e sequer se lembrava da fisionomia que agora deveria aparentar. Talvez, aquele objeto houvesse lhe despertado o interesse, por conta de uma fresta que passava por uma telha quebrada, e que lançava sobre o espelho uma luz que se refletia, talvez para lhe lembrar de que era dia, embora isso não lhe fizesse a menor diferença. Parado, olhava e o que via era um objeto estranho, levando-o a se perguntar: “será que sou eu o que vejo neste espelho?”. Resolveu, então, mexer-se e observar seus movimentos naquele objeto tão empoeirado. Para sua surpresa, a imagem não se moveu como ele e, como que a lhe desafiar, congelou-se num sorriso feliz. “Por que ele olha para mim desta forma?” – perguntava-se sem ter a menor idéia da razão de tal fato. Sabia, porém, que isso lhe deixava repleto de uma curiosidade rancorosa, cheio de vontade de pular para dentro dali e estrangular com todo ódio que lhe habitava àquele instante aquela imagem tão inquietante. Foi ao banheiro, ligou a torneira (depois de muito tempo, quebrou-se o silêncio naquela casa) e lavou o rosto. Pensou que talvez fossem as madrugadas em claro que lhe houvessem danificado a visão e que, lavando o rosto com água gelada, poderia enxergar melhor e simplesmente se ver ali. Voltou ao quarto onde ficava o espelho, olhou firmemente para ele, com uma atenção que há tempos não dispensava a nada, como se estivesse lhe dizendo que agora o veria do modo correto. A imagem, de fato, já não estava mais da mesma forma, apesar de ainda ser o mesmo rosto estranho. Estava, porém, demonstrando um sorriso ainda mais largo e os olhos brilhavam tanto quanto o reflexo da luz que batia no espelho. Mais uma vez, era-lhe enigmática e lhe despertava cólera a “reação” da imagem a si. Afinal, de onde poderia vir aquele reflexo se tudo ali era silêncio e poeira? Inquieto e enfurecido, olhou para todos os lados e não encontrou nada que se parecesse com o que via naquele velho espelho. Tentou não olhar aquela imagem e prestar atenção a outros objetos presentes naquela casa escura, abafada e silenciosa. Infrutífera, porém, a tentativa, pois, quando se apercebeu, estava mais uma vez com o olhar fixado naquele espelho que, desta vez, mantinha a mesma imagem que apresentava quando foi olhado pela última vez, sorriso ainda largo e olhar igualmente brilhante. Seu sentimento, agora, não era de fúria, mas sim de saudade. Mesmo não sendo a pessoa que via no espelho, veio-lhe a lembrança de um antigo amor e o silêncio agora, misturado àquela imagem, soava como um cântico selvagem – estridente e profundo. Sua saudade não lhe remetia a momentos ou imagens, senão à sensação da presença daquela mulher de quem nem bem se lembrava do rosto, mas a respeito da qual sentia a sensação exata do prazer que era compartilhar com ela a vida. Ao se aperceber dessa devastadora saudade, interrompeu o silêncio com um grito que parecia vir de uma dor tão profunda quanto à de um parto. E, de fato, era isso que parecia acontecer naquele instante. Estava parindo algo grande dentro de si e que lhe rendia sensações de certeza e dor, pois, assim como se sabia desejante, sabia-se vorazmente amante e lhe era estranho não tê-la consigo àquele momento. Tomado pela saudade e pela dor do parto, do qual era parteiro e parturiente, olhou mais uma vez para o espelho e o que viu já era outra imagem. Esta, aliás, apesar de ainda não lhe ser familiar, impunha-lhe um nome: saudade. Não se lembrava do nome da mulher, mas sabia que a presença de sua ausência lhe tomava por inteiro naquela hora. Assim como a imagem não era sua, sentia-se refém daquela mulher, de quem não se lembrava do nome, e que, no meio daquela poeira e do todo o silêncio que insistia em tomar conta do lugar, por ora se chamava saudade. E porque sabia que era dela, não tinha outra escolha, senão senti-la por todo o tempo e em todas as coisas, pois tudo o que havia para si naquele instante era silêncio, poeira, um espelho e Saudade.
domingo, 9 de novembro de 2008
Tempo e saudade
sábado, 8 de novembro de 2008
(Des) amor nos três pavimentos
- aquela viagem;
- a casa dos sonhos;
- o filho que poderíamos ter.
Se você quiser, a gente cancela o amor. Diz que ele foi endereçado para alguma outra pessoa e se perdeu
Ou para uma pessoa que nunca existiu.
“Desculpe, foi engano”
Se você quiser, a gente chama do que você quiser:
- de erro;
- de mentira;
- de ilusão.
Se seus olhos não puderem suportar o brilho – posto que cega
E sua vida,
A vida,
Que você não pode enterrar.