sexta-feira, 4 de junho de 2010

Liberdade entregue

O frio suor que escorria por sua testa e a palpitação desenfreada de seu coração denunciavam: não havia mais controle e, assim, nem sua fachada intelectual, nem seu excesso de pudor poderiam lhe negar a pesada obviedade de que tinha diante de si o que de mais belo já havia se apossado de sua visão. Após tanto tempo de contemplação, finalmente podia chegar perto, sentir o cherio, saber que era real e, nem por isso, perder o encantamento por ela. E tudo poderia ser sintetizado na mínima distância que a separava de sua boca. Era como se no interstício que havia entre ambos pudesse se concentrar toda a beleza que lhe tomava a visão e todo resto do corpo – era difícil ver com o corpo todo, pois, ao invés de imagens, sensações estavam presentes. Não era capturar a presença dela numa fotografia e, então, emoldurá-la e pendurá-la na parede. Essas sensações o remetiam à fugacidade do instante em que se encontrava. Não era, aliás, um instante qualquer, pois o encantamento que o tomava era tão forte quanto a tensão da dúvida sobre o que aconteceria a partir dali. Tudo era mistério e desejo e havia a nítida – se é que é possível nitidez quando o desejo pulsa – sensação de que a situação se guiava por si. O mais absurdo que lhe parecia era que, exatamente por não ter qualquer controle, sentia uma a mais plena liberdade. Nunca havia se sentido tão livre e, ao mesmo tempo, tão entregue, tão rendido, tão belo. Naquele momento, pensou a respeito do lugar onde se situava a beleza do que via e, numa lucidez só permitida a quem se permite apaixonar, e, portanto, ser livremente entregue, percebeu que a beleza não estava nem em seus olhos, nem no corpo que lhe aparecia adiante. Se havia morada para isto, ficava em algum lugar entre os dois; possivelmente, entre o olhar de quem olhava e o de quem (em forma de resposta) era olhado. Era como se houvesse uma linha tênue e invisível para quem não estivesse tomado por aquele intenso sentimento de paixão e admiração e que era sustentado pelos dois olhares. O mais paradoxal dessa linha é que, quanto mais se aproximavam, mais forte ela se tornava. Chegar próximo dela, portanto, era se aproximar de si e perceber que havia nele coisas tão belas e livres que lhe permitiam o nobre e arriscado sentimento da paixão.